
Assombra da Grande Paineira

Até que a Vida os Separe
Em uma caixa, depois do falecimento de um casal muito querido em uma pequena cidade, foram encontradas várias fotografias de casamentos nos quais eles tinham sido padrinhos. Na época, usava-se dar uma foto dos noivos para os padrinhos como recordação.
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Doadas para a artista por uma pessoa da família que não quis vê-las lançadas no lixo, transformaram-se em foto-objetos e assemblages.
Esse trabalho fala sobre algumas componentes perversas de alguns casamentos na sociedade contemporânea, onde os relacionamentos se tornaram cada vez mais fluidos e efêmeros. O juramento “Até que a Morte os Separe” pronunciado em rituais de uniões que pretendem ser eternas, tem sido esvaziado.
“Até que a Vida os Separe” fala de uniões que se deixam implodir pelas circunstâncias da vida.
Chaves para o paraíso
Exposição Arquivos Órfãos – MAC Campinas-SP
2019
Arquivos Órfãos, poéticas de adoção e re-existência de imagens
Curadoria: Fabiana Bruno
Série constituída de 10 trabalhos. Sete deles foram elaborados a partir de fotografias antigas P&B com interferências feitas através de colagem de pequenos objetos, transparências e costura. Os outros três são enquadramentos de pequenos objetos.
Coração alado
Página virada
Grudadura
Costurar uma união, fixar, cerzir, pregar, cravar
Amálgama
Unir intimamente dois corpos e obter um corpo inteiramente diverso
Corbelha
Querer alguma coisa como a menina dos olhos, dos seus olhos
Laçada
Prender com laço, entrelaçar, amarrar, algemar
Anencefalia
Enxertar e criar anomalias, seres híbridos, fora de propósito, nem uma coisa nem outra
Lacre
Tatuagem
Crivar a pele para sempre, macular, sangrar

Nervuras Noturno
O tempo como crostas, frações e (e)vidências da vida. Um sismógrafo que desenha linhas curvas, trepidadas e elevados picos de uma intensidade colateral daqueles que são nossos episódios vitais. Essas linhas, marcadas e re-marcadas por um tempo-traço, são também a energia desse tempo, as nervuras temporais dos pequenos rituais de passagem da vida. Um tipo de engrama, uma marca orgânica deixada pelos acontecimentos sensíveis que nos afetam.
Uma marca carregada de vitalidade, que habita o profundo, o lugar do afeto, da imaginação, da memória. Uma marca, que traduzida por Alice Grou, desdobra-se em imagens fotográficas para dar forma aos lugares do lacerado, do desagregado de uma narrativa biográfica das coisas sagradas que a artista percebe incrustradas na vida ordinária.
Indícios fracionados, de tempos roubados, e sequestrados da história pela imposição de uma suposta linearidade de uma vida adulta, encontrados no depósito dos lugares sensíveis, da experiência, da invisibilidade, das reminiscências e dos noturnos. Noturnos, como nas peças musicais, de uma obra de conjunto - que mimetizam os movimentos da vida-, com seus vários acordes, percebidos como tranquilos, mas profundamente agitados, expressivos e líricos, existencialistas e por vezes melancólicos.
Alice Grou desafia-se a revolver o lugar-tempo. Escava, perfura, atravessa para encontrar a fronteira do mágico e da memória, do mundo fugidio das lembranças e de suas nuances do esquecimento e das desaparições. É desse lugar do autobiográfico, de onde apenas a fabulação é capaz de devolver e restituir o que verdadeiramente poderia constituir todas as histórias de vida, que Alice Grou apresenta o ensaio fotográfico Nervuras Noturno, um epigrama do fantástico.
Uma história atemporal que revisita o afeto, a infância, a família, os assombros, as fantasias e os mistérios. A artista cristaliza vínculos entre imagens, que se encontram no entre páginas, montadas por sequências, seladas por uma misteriosa pré-visão do tempo dos noturnos. Uma melodia de uma gênese do agora. Um estado-mundo de uma alma-memória.
Essa alma-memória, agenciada pela linguagem fotográfica, elenca instantes de temporalidades atormentadas. O substrato da experiência sensível acumulada metamorfoseia-se em imagens e imaginações justapostas na superfície fotossensível. No entrecruzamento de lugares revisitados, de tramas que circunscrevem os ciclos vitais das gerações, espocam rememorações de afetos, o gosto da amora madura colhida no pé, o laço de fita no cabelo, as badaladas do sino da igreja e as texturas que excitaram os desejos primevos.
Entre o presente nostálgico e os flashs de um passado fabulado, gesta-se o porvir poético. Uma libélula desenha parábolas no espaço. Suas asas singram o ar, deambulam pelos interstícios desses entretempos, sobrevoam em meio a memórias que ignorávamos estar preservadas no inconsciente, pousam na paisagem arquetípica que desperta os gestos de uma meninice encantada, dão rasantes nos temores que julgávamos superados.
A matéria fotográfica entorpecida de anacronismos descreve uma crônica de lapsos. Nesse ordenamento de signos imemoriais, chocam-se sentidos, criam-se labirintos que conduzem ao extravasamento dos símbolos. O absolutamente biográfico e intransferível, agora tornado matéria de poesia, transcende o epicentro da criatura para, num voo libertário, se enveredar pela nervura que estrutura a beleza fulgurante e fugaz dos seres.
Eder Chiodetto e Fabiana Bruno

Memórias
nos fios da minha história, contada por mim,
acabo por parecer comigo mesma.
Coberta de Musgo, Vestida de Pedra
Os lugares de nossa terra natal, segundo Bachelard, permanecem sempre como a morada principal de nossos devaneios de infância. Nesses devaneios, restituímos nossas solidões de criança e elas nos devolvem as solidões de hoje. Essas imagens são ecos de lembranças de um lugar de liberdade, lugar de solidões libertadoras, sonhos de abrigo e refúgio, um estado de alma.
40º Salão de Arte Contemporânea de Piracicaba-SP-2008
Prêmio Aquisitivo – Prefeitura Municipal
