a grande paineira
Uma fotograia de família, por mais singela, jamais repousará no lugar do simplesmente, do tão-somente, pois toda fotograia de família é, em si, uma potência luminosa. Um lugar de aparição. Uma fantasmagoria.
Desfocando rostos, convocando palavras, criando fusões de corpos, a artista vai sobrevoando a grande paineira e enquanto a desgalha, também nela mergulha, num golpe abissal para mais tarde retornar à superície trazendo uma tipologia própria, a da desaparição.
Assombra da Grande Paineira,
texto de Fabiana Bruno
Uma árvore frondosa
como uma grande paineira
é símbolo de vida. Evoca também um ciclo, porque já não existe mais
Uma libélula é símbolo
de transformação,
de alijamento de um peso,
de liberação
Nervuras Noturno
O tempo como crostas, frações e (e)vidências da vida. Um sismógrafo que desenha linhas curvas, trepidadas e elevados picos de uma intensidade colateral daqueles que são nossos episódios vitais. Essas linhas, marcadas e re-marcadas por um tempo-traço, são também a energia desse tempo, as nervuras temporais dos pequenos rituais de passagem da vida. Um tipo de engrama, uma marca orgânica deixada pelos acontecimentos sensíveis que nos afetam.
-
Uma marca carregada de vitalidade, que habita o profundo, o lugar do afeto, da imaginação, da memória. Uma marca, que traduzida por Alice Grou, desdobra-se em imagens fotográficas para dar forma aos lugares do lacerado, do desagregado de uma narrativa biográfica das coisas sagradas que a artista percebe incrustradas na vida ordinária.
Essa alma-memória, agenciada pela linguagem fotográfica, elenca instantes de temporalidades atormentadas. O substrato da experiência sensível acumulada metamorfoseia-se em imagens e imaginações justapostas na superfície fotossensível. No entrecruzamento de lugares revisitados, de tramas que circunscrevem os ciclos vitais das gerações, espocam rememorações de afetos, o gosto da amora madura colhida no pé, o laço de fita no cabelo, as badaladas do sino da igreja e as texturas que excitaram os desejos primevos.
Entre o presente nostálgico e os flashs de um passado fabulado, gesta-se o porvir poético. Uma libélula desenha parábolas no espaço. Suas asas singram o ar, deambulam pelos interstícios desses entretempos, sobrevoam em meio a memórias que ignorávamos estar preservadas no inconsciente, pousam na paisagem arquetípica que desperta os gestos de uma meninice encantada, dão rasantes nos temores que julgávamos superados.
A matéria fotográfica entorpecida de anacronismos descreve uma crônica de lapsos. Nesse ordenamento de signos imemoriais, chocam-se sentidos, criam-se labirintos que conduzem ao extravasamento dos símbolos. O absolutamente biográfico e intransferível, agora tornado matéria de poesia, transcende o epicentro da criatura para, num voo libertário, se enveredar pela nervura que estrutura a beleza fulgurante e fugaz dos seres.
Eder Chiodetto e Fabiana Bruno
Uma ponte permite a passagem sobre um obstáculo a transpor
e pode nos levar a um conhecimento a ser revelado
Coberta de Musgo, Vestida de Pedra
Os lugares de nossa terra natal, segundo Bachelard, permanecem sempre como a morada principal de nossos devaneios de infância. Nesses devaneios, restituímos nossas solidões de criança e elas nos devolvem as solidões de hoje. Essas imagens são ecos de lembranças de um lugar de liberdade, lugar de solidões libertadoras, sonhos de abrigo e refúgio, um estado de alma.
40º Salão de Arte Contemporânea de Piracicaba-SP-2008
Prêmio Aquisitivo – Prefeitura Municipal
Memórias
nos fios da minha história,
contada por mim,
acabo por parecer comigo mesma.
Alice Grou.